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Genética Forense: como o DNA se tornou uma das ferramentas mais poderosas na resolução de crimes

Por Dra. Gabriela Bonfá, 03/12/2025


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Imagine uma cena de crime sem testemunhas, câmeras ou confissões. À primeira vista, pode parecer um caso impossível de ser solucionado. No entanto, muitas vezes, um único fio de cabelo, uma gota de suor ou um fragmento quase invisível de pele deixados para trás são capazes de contar toda a história. É nesse momento que a genética forense entra em ação: decifrando, por meio do DNA, aquilo que os olhos não viram.

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' A genética forense é a aplicação de técnicas de análise genética para fins legais. Em outras palavras, é o uso do DNA como prova em investigações criminais, como a identificação de corpos, a análise de amostras biológicas encontradas na cena do crime e a reconstituição de grandes tragédias.

Cada ser humano possui um perfil genético único (com exceção de gêmeos univitelinos), formados a partir da combinação de metade do DNA herdado da mãe e metade do pai. A genética forense busca vestígios biológicos em cenas de crime (como sangue, saliva, sêmen, cabelo, entre outros) e compara esse material genético com o de suspeitos, vítimas ou bancos de dados.

O perfil genético é como um código de barras exclusivo de cada pessoa. Quando um vestígio biológico é encontrado, os cientistas analisam marcadores genéticos do genoma conhecidos como STRs (Short Tandem Repeats). O perfil obtido é então comparado com o DNA de possíveis suspeitos, vítimas ou registros do Banco Nacional de Perfis Genéticos. A correspondência entre dois perfis é feita com base no número dessas regiões que coincidem, permitindo afirmar, com alto grau de confiabilidade, se o DNA encontrado pertence ou não a determinada pessoa.


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Caso real: o assalto milionário no Paraguai e o “Oscar do DNA”


Em 2017, o Brasil foi protagonista de um marco para a genética forense internacional. Um grupo fortemente armado invadiu a sede da transportadora de valores Prosegur em Ciudad del Este, no Paraguai, e roubou mais de US$40 milhões (equivalente a mais de R$120 milhões na época).

A ação envolveu o uso de explosivos, armamento pesado e uma rota de fuga meticulosamente planejada através de fronteiras internacionais. No entanto, o que os criminosos não previam era que marcas quase invisíveis deixadas para trás seriam decisivas para sua identificação. Vestígios biológicos coletados em veículos abandonados durante a fuga foram cruzados com perfis genéticos de suspeitos.

A análise revelou correspondências com indivíduos já cadastrados em bancos de dados por envolvimento em crimes anteriores, o que permitiu identificar e localizar parte da quadrilha.

O trabalho pericial foi tão preciso e impactante que rendeu à Polícia Federal do Brasil o prêmio da ISFG (International Society for Forensic Genetics), considerado o “Oscar do DNA” na comunidade forense mundial.


Danielle van Dam e o marco do DNA animal na genética forense.

Outro episódio emblemático ocorreu nos Estados Unidos, em 2002, no caso do sequestro e assassinato da menina Danielle van Dam, de apenas sete anos, em San Diego, Califórnia. Sem testemunhas ou provas diretas, a investigação parecia frágil até que uma pista inesperada surgiu: pelos de cachorro encontrados no cobertor da criança, em sua camisola e no trailer do principal suspeito, David Westerfield, vizinho da família.

O detalhe é que tanto os van Dam quanto Westerfield possuíam cães da mesma raça e cor, tornando impossível diferenciá-los pela análise visual. A solução veio com o uso inovador do DNA mitocondrial em amostras de pelos, aplicado aos cães de ambos.

O resultado mostrou que os pelos encontrados correspondiam exatamente ao DNA do animal da família da vítima, ligando Westerfield diretamente à cena do crime e desmentindo seu álibi. Essa evidência foi crucial para sua condenação e marcou um dos primeiros casos em que o DNA de um animal foi determinante em tribunal, ampliando as fronteiras da genética forense.


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Banco Nacional de Perfis Genéticos: a rede silenciosa que une crimes e suspeitos

No Brasil, a genética forense ganhou ainda mais relevância com a criação do Banco Nacional de Perfis Genéticos (BNPG), coordenado pela Polícia Federal, sob a gestão do Ministério da Justiça.

O banco reúne perfis genéticos de pessoas condenadas por crimes violentos ou sexuais, de vestígios não identificados coletados em cenas de crime e também de pessoas desaparecidas e de seus familiares. É possível imaginar esse sistema como um grande arquivo invisível, onde cada perfil funciona como uma peça que pode, a qualquer momento, se encaixar em uma investigação.

Quando um novo vestígio genético é inserido no banco, ele pode revelar ligações inesperadas, como um DNA coletado em um caso de roubo que corresponde ao de alguém já condenado por um crime diferente, como estupro.

Esse tipo de cruzamento ajuda a conectar casos, esclarecer investigações antigas, evitar condenações injustas e proteger pessoas inocentes. Segundo o Ministério da Justiça, mais de duas mil investigações já foram auxiliadas com a ajuda do banco genético, e esse número continua crescendo ano após ano.

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A Fantasma de Heilbronn: um alerta sobre contaminação

Apesar da altíssima precisão da genética forense, casos emblemáticos mostram como falhas no processo podem comprometer uma investigação. Um dos mais conhecidos ocorreu na Alemanha e ficou conhecido como o caso da “Fantasma de Heilbronn”. Durante anos, autoridades encontraram o mesmo perfil genético feminino em várias cenas de crime diferentes, em diferentes cidades e até países.

A hipótese de uma serial killer agindo em larga escala ganhou força. Centenas de policiais foram mobilizados, e muitos crimes acabaram sendo conectados com base nessa suposta evidência. Só anos depois veio a resposta: o DNA encontrado não pertencia a nenhuma criminosa, mas sim a uma funcionária da fábrica que produzia os swabs usados nas coletas. O material já saía de fábrica contaminado. O caso não expõe uma falha da ciência em si, mas reforça a importância da qualidade dos insumos, da rastreabilidade e do cuidado em cada etapa do processo. 

A genética forense tem um potencial enorme para ajudar a resolver crimes e trazer justiça, mas, como toda ferramenta científica, depende da responsabilidade humana para ser usada corretamente.

Mais do que uma ferramenta científica, ela é uma ponte entre o invisível e o que realmente importa: as respostas. Por trás de cada amostra analisada, há histórias interrompidas, famílias em busca de verdades e uma sociedade que não quer mais depender apenas da sorte ou de testemunhos para esclarecer os fatos. Por isso, ela exige cuidado, ética e responsabilidade.

O DNA não mente, mas os caminhos até a verdade precisam ser trilhados com rigor. A cada avanço, a genética forense nos lembra que o detalhe que passa despercebido a olho nu pode ser justamente o que faltava para reescrever o final de uma história.



Referências

  • BØRSTING, Claus; MORLING, Niels. Next generation sequencing and its applications in forensic genetics. Forensic Science International: Genetics, v. 18, p. 78–89, 2015.

  • BUTLER, John M. Advanced Topics in Forensic DNA Typing: Interpretation. Amsterdam: Elsevier, 2015.

  • JOBLING, Mark A.; GILL, Peter. Encoded evidence: DNA in forensic analysis. Nature Reviews Genetics, v. 5, n. 10, p. 739–751, 2004.

  • KAYSER, Manfred. Forensic DNA phenotyping: Predicting human appearance from crime scene material for investigative purposes. Forensic Science International: Genetics, v. 28, p. 215–221, 2017.

  • SANTOS, Sérgio Eduardo Longo et al. Diversidade genética e sua aplicação à genética forense no Brasil. Revista Brasileira de Genética, v. 20, n. 1, p. 123–131, 2005.

  • SCHNEIDER, Peter M. Scientific standards for studies in forensic genetics. Forensic Science International: Genetics, v. 1, n. 1, p. 2–10, 2007


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